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[11/1/2007 09:04:11
Houve momentos em que eu quis ser surda para nâo ouvir o pranto dos oprimidos, a conversa fútil entre amigas fúteis, o ronco faminto de uma criança faminta, o comentário íntimo do casal na fila da drogaria.
Dispenso o som do medo
Não faço questão da música da desgraça penetrando em meus tímpanos
Quero o desprazer de nâo me dar conta do ruído grave da bala perdida ao encontro de sua mais nova vítima
Fico com a ausência do tilintar das sirenes de emergência da agência bancária: é um assalto Desejaria imensamente mergulhar nas profundezas de um mar infinito e nâo ter a obrigação de ouvir as penalidades musicadas na rádio
O amor é mudo
A paz está rouca
A alegria encontra-se afônica atualmente
A melodia do sorriso perdeu a popularidade
Que motivo tenho eu para ouvir?
Existiram instantes em que rezei para que minha iris fosse visível apenas aos olhos alheios e nâo me tivesse utilidade alguma
Nâo precisava enxergar, nâo almejava o dom da visâo
Torci por um altíssimo grau de miopia, presbiopia, astigmatismo e todas as inúmeras doenças capazes de atingir os olhos
O azul do céu fora transformado em cinza... um cinza que nâo me agrada
O verde da grama agora é uma mescla de marrom e preto, uma mistura escura, triste e sem vida
O colorido do arco-íris foi substituído pela mistura de cores nada harmoniosa de prédios e outdoors
Os pássaros já não voam, se arrastam tubercolosos entre árvores asmáticas
A arte já não tem cor
A rosa perdeu suas pétalas
As crianças, o brilho no olhar
Porque ver então?
Ocorreram situações em que ansiei pela mudez
Pela total e plena incapacidade de me expressar por meio de palavras
O que dizer ao menor abandonado que me pede esmola?
Que consolo dar a alguém que perdeu a dignidade?
Como semear a esperança?
Como conter a raiva em uma discussão?
Palavras são feito amor e ódio
Ora apunhalam ora afagam
Faca e pluma
Lixo e luxo
Por melhores que sejam as intenções as palavras ferem mais do que acalentam
Matam a esperança
Fazem nascer a dor
Ressucitam o medo
Abandonam a decência
Palavras para que vos quero?
Horas infelizes me fizeram torcer contra o olfato
Já não sinto mais o doce perfume das margaridas
O cheiro convidativo do bolo de laranja ficou no passado
Trocaram a fragrância da chuva, da grama, da terra molhada
Pairam pelo ar odores fétidos de rios poluídos, ratos mortos
A água de colônia da corrupção penetra violenta em minhas narinas
O odor fétido do adultério se arrasta além dos quartos de motéis
Foi-se a pétala e seu delicado aroma, ficou o espinho
O cravo adormeceu para nunca mais ser acordado
Fumaça
Gás carbônico
Nitrogênio
Clorofluorcarbono
Tietê
Lixão
Mentira
Mentira
Mentira
Não quero ver
Não quero ouvir
Não quero falar
Não quero sentir
Não quero mentir
Peco para com minha própria vontade
Peco porque minto
Minto e estou mentindo
Mentindo e mentindo novamente
Perdão
Ajoelho-me no milho se for necessário
Enxergo
Ouço
Falo
Sinto
MInto
E almejo continuar dispondo destes sentidos para ver, ouvir, falar e sentir a esperança que ainda guardo a sete chaves em meu peito
Para ver o sorriso das crianças
Para ouvir a música do amor
Para falar que sinto muito
Para sentir o cheiro do amanhã que bate em minha porta
Para não mais ter, querer ou, simplesmente, mentir
Brenda Linhares
quarta-feira, 16 de maio de 2007
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